terça-feira, 26 de outubro de 2010

Sangue, sexo e alteridade



Outubro está quase acabando e eu não tinha escrito nada ainda... pra não ser acusada de abandono de domínio resolvi voltar a exercitar minhas idéias.

Nunca fui muito fã de seriados. Muito pontualmente me interessei por alguns poucos em momentos diferentes da minha vida. Quando estava em São Paulo, por exemplo, enfurnada em casa com dois compromissos gigantescos - ser mãe e terminar a dissertação de mestrado - me peguei fascinada por E.R (que no Brasil recebeu a tradução de Plantão Médico e teve as primeiras temporadas exibidas na Globo). Viciei a tal ponto que cheguei a ensaiar umas análises. Fui fisgada não só pela estrutura de novelinha continuada característica do formato como, principalmente, pela estética visual e pela incrível direção de câmera, sempre frenética. Nos momentos em que se tratava do foco da série - o corre-corre de um pronto socorro - a cinematografia era espetacular, desenhando uma trajetória fluida, ágil e labiríntica na mise-én-scène.

Mas esse post é pra falar do meu mais novo vício: True Blood. Para além do fato de que sempre adorei histórias de vampiro (meu nick no saudoso mIrc era "mairavampira") e de que os vampiros em questão são mesmo irresistiveis, fico me perguntando o que há de tão legal nessa série a ponto de não me entediar depois de assistir quase duas temporadas seguidas, de uma vez só.



Numa primeira olhada, True Blood parece não passar de mais um desses enlatados com um novo embrulho - pegando carona na modinha dos filmes de vampiro. Mas, alto lá! Eu não sou assim tão fácil. Há de ser algo mais além de vampiros bonitões e muitas cenas tórridas de sexo atroz e sanguinário.

Logo na abertura, uma dica pra gente se ligar: lê-se rapidamente num letreiro ao fundo de uma das cenas 'God hates fangs' (Fangs significa "presas", referência aos caninos dos vampiros, mas com um pouco mais esforço dá pra entender o trocadilho com Fags = bicha, viado). A intolerância à alteridade é o tema central em True Blood.

Nessa série ninguém é o que parece, ninguém está com a consciência tranquila, todo mundo tem um trauma ou um passado negro e, aos poucos, assim como os próprios personagens, nós, espectadores, vamos aprendendo que não se pode confiar em ninguém. Preconceito é um tema recorrente. Não é pra menos. A quase totalidade dos personagens principais é parte de alguma "minoria" - se é que dá pra chamar assim. Negros, gays, vampiros, lobisomens, transmorfos e etc. Há tanta diversidade de gêneros e seres que o conceito de "maioria" se perde na diegese. Todo mundo é algum tipo de outro - diferente, caricato, interiorano, medíocre, suburbano. E a base dos conflitos se estabelece justamente na questão da dominação entre raças e gêneros. 

Para além das questões relativas à alteridade - tão contemporânea e multiplamente discutível - há também uma pegada diferente nessa já tão batida estética vampiresca. Há um grau de humor negro bastante provocativo nas cenas de sanguinolência e carnificinas e uma pitada de cinema trash nas melecas em que os vampiros se tranformam quando morrem. O clima sombrio do universo dos vamps, lobisas e afins é sempre quebrado por um tom sarcástico e uma boa dose de erotismo. Os figurinos são provocantes e remetem à estética do fetiche, abusando de látex, correntes e maquiagem pesada. O "instinto animal" se manifesta a todo momento e todo mundo parece estar numa espécie de tesão eterno e coletivo. Sexo e romance não andam juntos aqui.

Algo na direção de arte também nos provoca ao questionamento: o paradoxo entre a assepsia e a elegância dos ambientes "vampirescos", e uma certa decadência kitsch nos espaços no mundo "normal". E, claro, no centro da narrativa, há o amor impossivel da "mocinha" com essa espécie de anti-herói que ninguém sabe ao certo ainda pra que veio. Estamos na terceira temporada ainda e muita coisa pode mudar. Mas eu gosto dessa tendência ao desvelamento de mais e mais camadas de entendimento.

Meus instintos estão aguçados.
Quero mais True Blood.


*A capinha delícia que a Rolling Stone deu pra série disse tudo:

5 comentários:

Anderson Ribeiro disse...

Nossa! Essa Série é realmente fora de série (trocadilho bobo. Hahahaha. Mas inevitável). Um amigo meu aqui de BSB não consegue mais parar. Odeia, inclusive, quando vai falar com ele sobre trabalho (detalhe: no horário do trabalho) e o interrompe. MAs já assisti alguns epsódios e é muito boa mesmo. estética e história. Mas o melhor mesmo é a análise da Má aí. Vai viajar assim lá em Sergipe! Beijos.

Antonio Ribeiro disse...

"Negros, gays, vampiros, lobisomens, transmorfos e etc"
Acho que esqueceu de Broco e burro no caso de Jason.

Também viciei na série de maneira anormal.

disse...

Pensei nele quando falei dos medíocres e suburbanos, mas fui boazinha demais né?

wendedel disse...

dois pilares: anna paquin e allan ball, ela capaz de entregar um personagem multifacetado e ele mais uma vez juntando peças que sozinhas ou em outro contexto pareceriam caricaturas. sou fã de carteirinha desde a primeira temporada e ainda me surpreendo vendo os primeiros episódios da série. recomendo

Unknown disse...

Olá, gostaria de entrar em contato com você.
Favor me mandar seu e-mail para glauco.nascimento@cultura.se.gov.br