Lendo todos os relatos sobre o Daniel e as homenagens feitas pelos amigos, senti que faltava a minha parte. Resolvi que compartilhar minha história com Daniel, com quem possa se interessar, talvez me ajudasse a superar a tristeza profunda que sinto agora e que me impede de tocar a vida com a mesma fluidez de antes.
Foi no dia 24 de julho de 1996, num fim de show da extinta Mosaico, um domingo a noite, no extinto Tequila Café, que eu passei pelo Fabinho, voltei e falei: "Oi, você é o cara da Snooze, né?".
Eu estava com a Daniela e o Fabinho, com o Daniel. Nessa noite mesmo, já voltamos pra casa da minha tia no carro com os meninos. Antes, porém, bebemos juntos até o bar nos expulsar e, não satisfeitos, compramos um vinho barato e ficamos falando besteira dentro do carro até de manhã. Por pelo menos um ano, não conseguimos nos desgrudar mais.
Ainda morava em Maceió nessa época. Então começamos uma rotina louca de num fim de semana a gente vinha, no outro eles iam lá. Viramos um quarteto inseparável. Eu ficava com Daniel e a Dani ficava com Fabinho. Só beijinhos. Mas uma regra silenciosa proibia que qualquer um assumisse que estava namorando. O mais importante era a união dos quatro.
Nossa amizade tinha uma pureza muito grande. Não era nada do tipo "sexo, drogas e rock'n'roll", apesar deles serem "os caras daquela banda de rock". A gente gostava mesmo era de falar besteira. Ríamos muito. Nos amávamos intensamente e só queríamos estar juntos. Cada vez que tínhamos que nos despedir era um sofrimento.
Era o início da nossa independência, fase de ouro que tive o privilégio de compartilhar com Daniel, Fabinho e Daniela. Fizemos viagens loucas pra Recife e Salvador, só como desculpa pra passar mais tempo juntos.
Essa em Salvador é antológica. Tocamos o terror num bar, também extinto, que tinha o sugestivo nome de 'Vicious'. O dono era o Messias, na época ainda vocalista da brincando de deus e já amigo dos meninos. Muito foda aquele bar. Aquela noite foi inesquecível.
A de Recife Fabinho não foi - e ficou arrasado por isso. Daniel encarou 8 horas de ônibus só pra passar um fim de semana com a gente, na roubada. Ficamos os três num mesmo quarto de hotel. Levamos uma bronca da recepcionista por isso, mas nem ligamos. Não teve nenhuma orgia. Só enchemos a cara e rimos muito. Muito mesmo. Com todo tipo de bobagem que nos vinha a cabeça. Saímos uma noite, só pra sair mesmo. Fomos num show do Kid Abelha no (também) extinto Circo Maluco Beleza. Mas a gente nem ligou pro show, especialmente depois que Daniel fez um comentário infeliz sobre as pernas da Paula Toller (humpf!). Conversamos, bebemos muito e rimos alto.
Quando eles iam pra Maceió ficavam na minha casa. Eu ainda não sabia dirigir. Numa dessas vezes, Daniel, com aquela cara de bom moço, conseguiu uma façanha inacreditável: dirigir a caravan do meu pai pra gente sair à noite. Quem conhece o meu pai, e a relação dele com o carro DELE, deve estar agora de queixo no chão.
Quando eu e Dani vínhamos pra Aracaju, ficávamos na casa do Fabinho. O pai do Fabinho era representante dos vinhos Santa Felicidade e a loja era na garagem da casa. E mais: os pais dele não passavam o fim de semana em casa. Era o verdadeiro paraíso. Demos uma boa baixa nos estoques de seu Rafael.
Mas, um dia, Daniel conheceu outras meninas. E, do mesmo jeito que eu tinha roubado ele das amigas dele (Alessandra, Ágatha e Gabi - que naturalmente me detestavam) elas roubaram ele de mim. E, óbvio, eu as detestei. Na verdade, isso eu iria entender só muito tempo depois, Daniel é que era assim: desprendido, aventureiro, nômade. Algum tempo depois, ele foi embora morar em Campinas e também deixou essas meninas pra trás. E lá, deixou outras muitas.
Apesar da distância e da eterna queixa por ter sido abandonada, é óbvio que ele sempre teve um lugar especial na minha vida. Principalmente porque foi depois que ele se afastou que eu comecei verdadeiramente minha história de amor com o Fabinho.
Uma década se passou. Crescemos, amadurecemos e nesses últimos três anos, não teve uma vez sequer que ele viesse por aqui que não desse um jeito de nos ver. Nesse último fim de ano, a visita dele foi bem especial. Ele passou lá em casa numa noite e, dessa vez, ficou claro que estava sem nenhuma pressa pra ir embora. Sentei do lado dele como há muito tempo não fazia e, por diversas vezes, olhei pra ele, sorri e falei que estava muito feliz por vê-lo.
Na última segunda feira, comecei o dia com minha sessão de terapia. Espontaneamente, passei a sessão inteira contando essa história pra minha psicóloga. As lembranças ficaram vívidas em minha memória ao longo de todo o dia. À noite, Fabinho me deu a notícia triste quando chegou em casa.
Essa vida é estranha.