Há uns 13 anos, um professor de filosofia figura me fez um favor que nunca vou esquecer.
Foi assim: estava eu lá num dos bancos da Ufal, com essa cara amarrada que me acompanha até hoje. Ele sentou do meu lado e eu vomito: "ai, to deprimida". Ele: "deixa de frescura, menina. Amanhã vou trazer um negócio pra você".
No outro dia ele me aparece com três livros: Histórias Extraordinárias, do Edgar Allan Poe (esse eu nunca devolvi), Ejaculações Ereções e outras Pornografias, do Bukowski (foi o primeiro que eu li, hehe) e Cartas a um jovem poeta, do Rainer Maria Rilke. É sobre esse último, na verdade, que resolvi escrever esse post.
O livro é na verdade uma coletânea de correspondencias que o Grande Poeta teria escrito a um jovem escritor que lhe pedia conselho sobre sua obra e que acaba recebendo de volta uma inestimável cartilha poética sobre como suportar a existência.
Assim que eu comecei a ler a primeira carta entendi tudo. Entendi o "deixa de frescura, menina", entendi a profundidade das angústias do mundo e o porque que palavras não dão conta da dor da alma e fazem com que qualquer sofrimento soe piegas. Entendi porque os poetas são poetas e, inclusive, porque eu não era poeta. :)
Se a própria existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Para o criador, com efeito, não há pobreza nem lugar mesquinho e indiferente. Mesmo que se encontrasse numa prisão, cujas paredes impedissem todos os ruídos do mundo de chegar aos seus ouvidos, não lhe ficaria sempre sua infância, esta esplêndida e régia riqueza, esse tesouro de recordações? Volte a atenção para ela. Procure soerguer as sensações submersas deste longínquo passado: sua personalidade há de reforçar-se, sua solidão há de alargar-se e transformar-se numa habitação entre o lusco e fusco diante do qual o ruído dos outros passa longe, sem nela penetrar. Se depois desta volta para dentro, deste ensimesmar-se, brotarem versos, não mais pensará em perguntar seja a quem for se são bons. Nem tão pouco tentará interessar as revistas por esses seus trabalhos, pois há de ver neles sua querida propriedade natural, um pedaço e uma voz de sua vida. Uma obra de arte é boa quando nasceu por necessidade. Neste caráter de origem está o seu critério, — o único existente.
(trecho da primeira carta)
Lembro que lia e choraaaaava e pensava egocentricamente: meu deus, isso foi pra mim!
Devolvi o livro com uma vontade enorme de ficar pra mim.
Passei todos esses anos procurando esse livro. Não parecia fácil encontrá-lo.
Até que semana passada, numa conexão demorada, solitária e angustiada num aeroporto que só tinha uma livraria aberta eu me deparo com ele num formatinho de bolso, por módicos 8 reais. Pra me salvar novamente. Meu coração chega bateu forte.
Rilke faz a gente enxergar com clareza a beleza da tristeza. E isso é bom. Há a depressão antes de ler Rilke e a depressão depois de ler Rilke.
6 comentários:
"Rilke faz a gente enxergar com clareza a beleza da tristeza. E isso é bom."
Isso me lembrou um amigo em comum. Fúria. nunca vi alguém se sentir tão bem com a depressão.
Já eu fujo. Finjo que ela não existe, que não me acompanha desgraçadamente o dia a dia. E finjo estar feliz.
Eu tô na metade do livro,´já já eu escrevo um comment dizendo o impacto que ele causou em mim.
;)
abraço
Achei você aqui!
Chegaram bem?
Beijos,
Olga
muito má rsrsrsrs, você escreve como fala, parecia que estava te ouvindo falar isso...
bjo
Se soubesse disso antes, daria o que tenho pra você. hehehehehe. Desculpe, mas o tenho há um bom tempo... digamos... desde que trabalhávamos juntos na TV... Pode mandar a bronca agora!
senti a veracidade dos fatos como quem lambe os próprios dedos após comer um chocolate, procurando sentir o extremo doce daquilo que já não volta mais. Gostei bastante.
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