quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Numa ilha

Uma das coisas boas de não ser mais professora é poder voltar a ler ficção. Pelo menos um terço dos grandes livros que tenho em minhas estantes ainda não tive chance de ler. Já os de teoria passei alguns semestres de minha vida relendo continuamente. Nenhum prejuízo nisso, claro. Mas é uma delícia a liberdade de ir passando olho na prateleira e escolher o qual é o próximo.

Semana passada comecei 'O Retrato de Dorian Gray'. Tô apaixonada. Se fosse twitteira compulsiva, twitaria quase todas as frases. Meu momento noturno de leitura nunca foi tão prazeroso.

Vários trechos são "eternizáveis", digamos assim. E só pra fazer um contraponto:

"Sempre! Que palavra terrível. Estremeço de cada vez que a ouço. As mulheres gostam tanto de usar. Estragam o romance com a teima de que deve durar para sempre. E além disso é uma palavra que não significa nada. A única diferença entre um capricho e uma paixão eterna é que o capricho dura mais tempo."

Ai, um choque. É tão confortável a ilusão da eternidade...

E isso:

"O objetivo da vida é o desenvolvimento próprio, a total percepção da própria natureza. É para isso que cada um de nós vem ao mundo. Hoje em dia as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram o maior de todos os deveres, o dever para consigo mesmos. É verdade que são caridosas. Alimentam os esfomeados e vestem os pobres. Mas as suas próprias almas morrem de fome e estão nuas."

Enquanto leio essas coisas, constato que para todo lado que olho vejo paixões eternamente fugazes e falsos altruímos que travestem a hipocrisia nossa de cada dia pairando sobre uma sociedade que adora sofrer e reclamar. Na verdade é sofrer para ter do que reclamar.

Ou já virei uma velha rabugenta ou eu vim de marte. Convivo diariamente com o sentimento de que eu simplesmente não entendo esse mundo. Não entendo porque obviedades parecem tão complexas para tanta gente, não entendo como se pode ser tão cego ou como é possível enxergar tudo tão distorcido. Não entendo revoltadinhos com o sistema que se acham seres iluminados diante de um mar de mediocridade, assim como não entendo como tanta mediocridade é sinônimo de eficácia.

Só sei que às vezes acho que seria tão bom viver numa ilha...

8 comentários:

programa de rock disse...

pow, finalmente vou poder botar uma "banca" contigo: TU NUNCA TINHA LIDO O RETRATO DE DORIAN GRAY ? NUOSSAAAA ... Hehehehe - é um de meus livros de cabeceira (faz companhia a "O Evangelho segundo Jesus Cristo" de Saramago, 1984 de Orwell e "Nada de novo no front"). E é bem isso aí mesmo: filosofia de vida transbordando em frases espertissimas pra ler, guardar e citar. Existe uma adaptação para o cinema muito boa, vi uma vez na televisão. O filme inteiro é preto e branco, só o retrato é colorido.

disse...

po, mestre, competir com vossa sabedoria é covardia! :)

To totalmente apaixonada por Dorian Gray

Michel Oliveira disse...

"Não entendo revoltadinhos com o sistema que se acham seres iluminados diante de um mar de mediocridade, assim como não entendo como tanta mediocridade é sinônimo de eficácia", essa frase sempre martela minha cabeça. Não consigo nem palavras para descrever esse tipo de comportamento, que apesar de estar na moda só denota como as coisas andam mal...
Sua saída da Universidade está fazendo falta , mas pelo menos está aproveitando de uma boa maneira.
SAUDADES

programa de rock disse...

Mas na verdade o personagem + apaixonante do livro, é o que solta essas frases espirituosas e maravilhosas - Lord Henry, se não me engano? Só lembro que ele é, nitidamente, o alter-ego do escritor no livro.

disse...

sim, é isso mesmo. Lord Henry. me identifico com o humor acido dele tb

disse...

Michel, sinto falta da ufs tb. Mas hj tenho certeza que sai na hora certa. obrigada pelo carinho

Unknown disse...

margarina doriana

disse...

OI?